Um novo som está vindo

Luciano Motta

"Os tais 140 caracteres refletem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido" — José Saramago.

As palavras do escritor português, em comentário sobre o microblog Twitter, soam muito legítimas hoje em dia. Aumenta a sensação de esgotamento nessas últimas décadas da Modernidade. Tudo é rápido, veloz, efêmero. A comunicação se resume a poucas palavras. Valoriza-se o texto curto, o recado despretensioso, o chat. Nas artes e na cultura em geral, há uma retomada de ideias passadas, uma releitura de obras já produzidas. Têm força a intertextualidade, o kitsch. Questões como autoria e originalidade parecem discussão velha — e viva a reciclagem, a cópia, o remake!

Naturalmente, a música — foco desse pequeno artigo — não atravessaria imune uma época como essa. Nota-se uma proliferação de canções predominantemente onomatopeicas, de letras rasas, muitas delas de forte apelo sensual/sensorial, com a única função de entreter. "Pare de pensar; apenas divirta-se!" — este parece ser o mote dessas músicas pop feitas sob medida para tocarem nas rádios e agitarem multidões nos grandes shows. Versões remixadas de sucessos nacionais e internacionais também são hits, e reforçam o esvaziamento criativo desse tempo.

Olhe para o que acontece nas igrejas evangélicas e no chamado mercado gospel e veja como essa história se repete. As canções entoadas, em sua maioria, reproduzem formatos e mensagens que visam atender às necessidades dos consumidores, que devem ser animados e entretidos. Sob uma lógica comercial, é imperativo que os cultos terminem sempre bem, todos saindo felizes e contentes, as almas satisfeitas e condicionadas a consumirem o próximo lançamento em CD/DVD. Porém, o espírito padece de inanição.

Essa é uma pequena amostra de como o esgotamento dos últimos anos também se faz presente nas igrejas, ainda que a maioria dos crentes não se dê conta disso bebês espirituais sendo ninados domingo após domingo no colo dessa mídia pseudo-cristã. Os cultos teriam maior proveito e densidade se mais dedicados à reflexão, à contrição, à exortação mútua, à oração e intercessão coletivas, em vez de atividades e movimentos sem um propósito alinhado ao coração de Deus para este tempo. Afinal, todo culto deveria ser para Ele, somente para Ele.

Mas há uma oportunidade em tudo isso. O vazio contemporâneo abre espaço considerável para algo genuinamente novo. No mundo inteiro, artistas que zelam pela excelência e ousam experimentar, rompem os limites da mediocridade e produzem obras extraordinárias. Compositores e músicos virtuosos imprimem marcas de qualidade e inovação em suas canções, mesmo que utilizem instrumentos, estilos e sonoridades já familiares e consagrados. Por sua vez, cristãos têm se esforçado para discernirem o tempo presente e nele se inserirem de modo relevante e vívido, proclamando o novo som que está vindo. Detém uma mensagem kairós capaz de desencadear o estabelecimento do Reino de Deus na terra.

Um ponto em comum pode ser captado do advento desse novo som: a tentativa de expressar o inexprimível. Como parece que tudo já foi dito, que todos os estilos já foram criados, que todas as possibilidades já foram esgotadas, aumenta a fome e a sede por abraçar o mistério e desvelá-lo, por fazer ressoar o inaudito. Trata-se de um convite do próprio Deus aos Seus filhos de se alinharem aos Seus pensamentos mais altos, de subirem e percorrerem Seus caminhos mais elevados. Aqui a música se alia à oração como elementos-chave para a grande colheita dos últimos dias e a consumação dos séculos, ou seja, a segunda vinda de Jesus Cristo e o fechamento da história. Trata-se de um retorno às origens.

A primeira menção de um músico na Bíblia está em Gênesis 4.21: "O nome de seu irmão era Jubal, que foi o pai de todos aqueles que tocam a cítara e os instrumentos de sopro". Não é por acaso que a humanidade comece a (re)produzir música por intermédio da cítara (harpa) e dos instrumentos de sopro (flautas). Neles se encontram semelhanças com os sons da natureza, tais como o assobiar dos pássaros e o uivar dos ventos, e principalmente com o fôlego humano — que é o som da voz humana senão o resultado da vibração de cordas vocálicas? Como afirma Alfredo Bosi: "O som do signo guarda, na sua aérea e ondulante matéria, o calor e o sabor de uma viagem noturna pelos corredores do corpo... é a forma da expressão de que o som do corpo foi potência" (BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. SP: Cultrix, 1977, p.42).

Brota dos silêncios e da suspensão interior uma vibração em forma de som; ritmos e melodias que extravasam emoções e significados. Segundo Octavio Paz, "somos nós mesmos que nos transformamos em ritmo e rumamos para 'algo'. O ritmo é sentido e diz 'algo'. Assim, seu conteúdo verbal ou ideológico não é separável. Aquilo que as palavras do poeta dizem já está sendo dito pelo ritmo em que as palavras se apoiam" (PAZ, Octavio. O arco e a lira. RJ: Nova Fronteira, 1982, p.70). Pois foi justamente a partir desse ritmo interior, desse som do coração, que os homens começaram "a invocar o nome do Senhor" (Gênesis 4.26).

Das cítaras e dos instrumentos de sopro iniciais, a música avançou para formas mais organizadas. Eis uma brevíssima síntese da história da música cristã: o canto passou a ser registrado e suas letras chegaram até nós, vide os salmos de Davi, dentre outros. Mais à frente, depois de Cristo, a igreja primitiva produziu hinos e cânticos espirituais, estruturas mais dinâmicas de canção. Depois vieram os cantos gregorianos, os trovadores e as cantigas medievais, até o advento das sofisticadas composições sacras dos grandes gênios clássicos. Com o passar dos séculos, à medida que as obras foram se tornando mais e mais elaboradas musicalmente, voltadas às elites, novos estilos surgiram do canto popular. Então, no começo do século XX, a gravação e a transmissão radiofônica tornaram possíveis a proliferação e a consolidação de uma cultura musical de massa. Contudo, os interesses comerciais passaram a ditar os rumos da indústria, abraçando correntes defensoras de composições e estéticas mais simples. De inovador, o simples foi se diluindo, diluindo, até atingir o esgotamento contemporâneo e a carência por algo verdadeiramente original.

Reitera-se aqui que o percurso da música cristã apresentado acima é sucinto demais, cheio de saltos temporais e omissões de detalhes históricos. No entanto, por meio dele, conclui-se que o retorno atual às formas primordiais de expressão, de onomatopeias e interjeições, de monossílabos e silêncios, demonstra ser a inevitável curva final que antecede a reta de chegada de um novo ciclo. Talvez nesse ponto de dobra, de escassez, a humanidade encontre no silêncio a sua possibilidade de (re)nascimento — por intermédio do novo som produzido por uma igreja alinhada ao que Deus tem a dizer. Lembremos que a fé vem pelo ouvir, e ouvir a Palavra (Romanos 10.17).

É nesse instante histórico de silêncio e vazio que a igreja de Cristo deve se posicionar em resposta aos anseios e às expectativa do mundo, entoar as boas novas do Reino que vem chegando para restabelecer todas as coisas. Não é, portanto, uma descida ao grunhido, na visão ateísta do escritor português, até porque não somos evolução de macacos. Antes, é uma pausa estratégica, um aquietar imprescindível, para que a igreja — e seus artistas, pregadores, estudiosos, servos — ouça o que Deus está falando nesse tempo, especificamente à geração dos últimos dias. Só então, com base no padrão da boa, agradável e perfeita vontade do Senhor, e não segundo os ditames do mercado ou da cultura vigentes, a igreja de Cristo conseguirá comunicar o inexprimível do Espírito, seja por palavras e música, seja por um testemunho verdadeiro e fiel de sua vida prática, comunitária, ágape.

Não de degrau em degrau, mas de uma vez, é hora de subirmos e nos posicionarmos, como igreja, nos lugares elevados que já temos em Cristo, com orações e canções nunca antes feitas nessa terra. É tempo de puxarmos a realidade do Céu para as nossas cidades, de quebrarmos o silêncio e suplantarmos o vazio, de acendermos a chama e proclamarmos: "Não vivemos mais para nós mesmos, mas Cristo vive em nós! Seja feita a Sua vontade! Venha o Seu Reino!" Esse novo som está vindo... Esse novo som há de abalar as estruturas de toda a terra!

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OBS 1: Alguns bons exemplos de músicas com interjeições vocálicas e entoativas que claramente expressam um anseio interior, quando faltam palavras e se busca o som do inexprimível: o notável refrão final de "With Everything" da Hillsong Church; canções como "A Storm All Around You" e "Worthy of it All", dentre outras do IHOP. Procure na internet esses e outros exemplos.

OBS 2: Cada vez mais reuniões de oração e adoração, no Brasil e no mundo, têm substituído o que se conhece por "clamor" nas igrejas pentecostais (em que todos oram e/ou falam ao mesmo tempo, em línguas ou não, por apenas um motivo específico e/ou às vezes sem uma direção definida) por reuniões mais silenciosas, em que todos esperam pela direção do Espírito, e vão orando um a um, encadeando orações e canções em sequência. É claro que há momentos mais "explosivos", com o livre exercício de dons espirituais. No entanto, valoriza-se também a quietude e a contemplação. Experimente ir por esse caminho em seus momentos particulares de oração e nas reuniões coletivas. Busque ouvir o que Ele tem a dizer antes de lançar palavras ao vento. Evite os chavões e clichês quando ministrar música.

OBS 3: A reflexão levantada por esse artigo está em aberto. São dias de reedificação, de alinhamento. Colabore com comentários, indique textos afins e envie também artigos de sua própria autoria. Vamos expressar juntos esse novo som que vem vindo.

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