Avivamento requentado

Luciano Motta

{ Difícil falar desse tema sem parecer ofensivo, arrogante, juiz ou algo parecido. Por favor, não tenho essa pretensão em meu coração, tampouco assumo uma cadeira arbitrária. As palavras que seguem são uma exortação ao Corpo de Cristo, no sentido de edificar, de propor outras perspectivas que entendo serem de Deus para a Sua igreja nesses últimos dias. }

Há um episódio na Bíblia bastante conhecido: depois da crucificação e da morte de Jesus, dois discípulos desceram pelo caminho de Emaús ao invés de permanecerem em Jerusalém. O próprio Jesus ressurreto foi ao encontro deles e por algumas horas conversaram a respeito das coisas que tinham acontecido. Mas eles não o reconheceram naqueles momentos, nem quando o Mestre lhes explicara as Escrituras. Somente quando Ele partiu o pão "seus olhos foram abertos" (Lucas 24.31). Em outra referência, a Bíblia diz que "Jesus lhes apareceu de outra forma" (Marcos 16.12) e por isso não fora reconhecido por aqueles discípulos.

Sem dúvida, essa história reflete muito sobre como temos agido enquanto igreja de Cristo: tomamos caminhos antagônicos em relação à vontade de Deus; muitas vezes somos abordados pelo próprio Jesus, mas não o reconhecemos; julgamos discernir nas Escrituras os tempos atuais e os fundamentos de nossas ações, mas no final continuamos em uma rota contrária, equivocada, rodando em círculos.

Podemos observar um pouco desse engano na maneira como diversos "ministros de avivamento", que movimentaram a igreja brasileira no começo do século XXI, estão conduzindo atualmente seus próprios ministérios. Vários deles tem produzido CDs e DVDs que remetem àquela época, seus "sucessos" regravados, remixados, rearranjados à exaustão.

Imagine uma comida conservada durante 10 anos. Apesar de ser uma boa comida, você a comeria depois de tanto tempo?

Precisamos assumir que essa comida tem sido servida na maioria dos cultos de hoje, requentada pela influência daqueles anos de "avivamento" - de sopros, ventos, chuvas, fogos e glórias. Mesmo com a atualização de ritmos (até os hinos históricos, tão criticados, tem sido hoje reapresentados como "novidades"), e com grupos e "ministros" surgindo no cenário nacional, é patente o modo como muitos artistas e também muitas igrejas ainda reproduzem sonoridades, letras, temáticas e ministrações daquela época, temperadas agora com generosas porções de auto-ajuda e prosperidade material. Em nome do canto congregacional, o binômio louvor + adoração se tornou uma fórmula rentável que passou a existir em função da demanda por novas músicas e por novos lançamentos. Alguns se defendem sob o escudo de estarem mantendo um "estilo" próprio, uma vocação ou um chamado de Deus, mas na verdade estão passeando pelos "caminhos de Emaús" dos novos tempos, puxando uma parte significativa da igreja a reboque.

Outra questão que tem conduzido a igreja para fora de Jerusalém é a presunção de saber como "fazer avivamento". Talvez seja uma "síndrome de Nadabe e Abiú", pela precipitação de produzirem seu próprio fogo - um fogo estranho ao Senhor. Isso custou as vidas daqueles homens (Levítico 10.1-2), e o mesmo se vê hoje na quantidade de ministérios mortos, de igrejas sem a vida de Deus fluindo nas reuniões e encontros de seus membros. Também é morta e custosa a insistência de certos tele-evangelistas e de tantos superpastores/apóstolos/bispos em manterem estruturas que só engrandecem suas denominações, seus livros e produtos gospel, ou seja, seus próprios feudos pseudo-cristãos, sob o pretexto de estarem "pregando o evangelho". Na verdade, suas cruzadas e ajuntamentos tornam-se grandes oportunidades para gravação e produção de novos bens de consumo, mais uma vez os fins de fazer dinheiro justificando os meios.

Ainda nessa perspectiva de "saber como fazer", vemos muitas igrejas locais presas à uma sucessão de programações e eventos, sendo o culto de domingo à noite o principal deles (trato dessa questão no artigo Tabernáculo, liturgia e sacerdócio). Um "ministro de louvor" mais rodado ou um pastor experiente, carismático, sabe exatamente como incendiar sua congregação. E quanto à estrutura, até bem pouco tempo estava quente a discussão em torno do que era melhor: células, G12, propósitos, grupos caseiros, etc. Mas veja que todas essas coisas acabam desviando a igreja do foco principal.

Não existem receitas prontas para mudar esse quadro. Acredito, contudo, que há pelo menos duas certezas:

1- Jesus está aparecendo "de outra forma" nos últimos dias: Ele está voltando para se encontrar com uma Noiva pronta para o casamento (Apocalipse 19.7); uma igreja relevante, intrépida, capaz de viver e morrer por Sua causa.

Para isso acontecer, é preciso uma mudança, talvez uma revolução, do que signifique "ser igreja". Considere que Pedro tinha uma mensagem de arrependimento aos judeus e que Paulo estendeu essa mensagem aos gentios. Lembre-se de que ocorreu uma reforma protestante rompendo com as práticas eclesiásticas daqueles tempos obscuros. Não ignore que houve uma redescoberta dos dons espirituais no século XX. Assim, por que não haveria "outra forma" para os dias que antecedem o fechamento da história, se a própria história e também a Palavra apontam para tal?

Leia o livro de Apocalipse, por exemplo, e veja como a música e a adoração estão intrinsecamente ligadas aos juízos e às movimentações celestiais que tocam e modificam os rumos da Terra. E como estamos tão distantes disso! Quantas músicas hoje tratam de um evangelho para nós mesmos, de bênçãos e milagres! É urgente uma "outra forma", uma nova canção.

Se somos a geração de João Batista, preparando o caminho da volta de Jesus (essa mensagem foi bastante apregoada pelos movimentos de avivamento aqui no Brasil nos últimos anos), então precisamos estar dispostos a mudar o rumo como igreja e ir ao deserto. João Batista exerceu o seu ministério no deserto. Ele se separou de todas as coisas, como um nazireu, a fim de não corromper sua mensagem e não se desviar de seu chamado. E o próprio Jesus exaltou João Batista como o maior profeta dentre os nascidos de mulher (Lucas 7.28). Sem dúvida, é uma "outra forma" de ser voz profética nessa nação, muito diferente do que fazer um monte de declarações positivas e atos proféticos, ou ungir com óleo bandeiras de cidades e nações.

Mas não sejamos meninos aqui: as coisas que Deus fez no passado foram válidas, as coisas boas que vivemos e aprendemos com Deus devem permanecer. O que está em questão aqui é a forma, não a essência. Por já estarmos tão amoldados a uma maneira de agir, a um sistema ou estrutura, por já sabermos como "fazer igreja", não reconhecemos que Jesus quer aparecer de outra forma ao mundo. A geração atual não tem a mesma recepção do Evangelho de outrora, o que é ainda mais agravado pelo fato de não estar sendo apresentado o verdadeiro Evangelho, simples e direto, com base no arrependimento e na graça, sendo visíveis o testemunho e a vida prática diferenciada de seus fiéis.

Isso só será possível a partir da segunda certeza:

2- Os olhos da igreja serão abertos "no partir do pão": Somente uma vida de genuína comunhão, de intimidade com Jesus, nos permitirá reconhecê-Lo e ouví-Lo. Assim receberemos Sua direção segura para os dias difíceis que vivemos.

Há 10 anos isso era pregado, mas a comunhão vertical, para ser consistente e constante, depende da comunhão horizontal. O "partir do pão" significa Aliança - nós e Deus, nós e os irmãos. Não os relacionamentos superficiais e virtuais que vemos nas igrejas ultimamente, relacionamentos nutridos pelas habilidades individuais, pelo que o outro pode oferecer para a instituição, para a organização. Pois quem não tem muito a oferecer - ou tem problemas, crises, feridas - acaba deixado de lado ou rotulado (ainda que muita gente problemática e ferida consiga esconder suas misérias para atender às demandas de sua liderança ou comunidade, assumindo cargos e posição, ou simplesmente para não ser desprezada).

Observe que nós tipificamos Tomé como "o incrédulo" por causa de suas dúvidas, mas Jesus o encoraja a acreditar (João 20.27). Uma verdadeira aliança entre irmãos é constituída de relacionamentos estreitos e sinceros, baseados no encorajamento e na exortação, que apontam para o potencial individual e coletivo em Cristo.

{ Terminarei esse artigo em breve }

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